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julho 29, 2005

As mulheres no front do MST

Sem dúvida o MST é um dos movimentos que mais mobiliza mulheres para luta. O MST mostra que caminho para que trabalhadores conquistem dignidade e se tornem sujeitos de sua história é a luta organizada. Particularmente para as mulheres, o MST representa a possibilidade de se libertarem de várias formas de opressão e se afirmarem como mulheres e como trabalhadoras. Porém, o MST ainda, não criou as condições para o avanço permanente da consciência, que só ocorre através da participação contínua.
Tanto que se compararmos com os homens a presença as mulheres Sem Terra na estrutura organizativa do MST, desde as instâncias de nível nacional e estadual até nas instâncias de base, é muito pequena. Assim como é menor a participação delas nas lutas pela conquista da terra, o que se reflete depois em pouca participação no assentamento.
Na maior parte da sua história o MST obteve conquistas na luta pela terra e nos recursos para produzir, a partir dos conflitos. Isso criou uma cultura que o MST precisava lideranças fortes capazes de dirigir ações conflituosas. Por isso as lideranças eram pessoas capazes de fazer bons discursos e de manter as famílias reunidas.
A maioria das pessoas que se enquadravam neste perfil eram homens. Isso associado a nossa cultura de representações gerou uma organização em que não havia necessidade de muita gente debatendo, participando, formando-se, nem mesmo núcleos com reuniões sistemáticas. Enfim, a maioria das famílias, principalmente as mulheres, de fato não participava da organização.
Porém, já se vê sinais claros de que o Movimento dá passos firmes no sentido de buscar uma maior igualdade.

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Para que o MST avance ainda mais nesse sentido é preciso que haja linhas políticas como:
1. Garantir que o cadastro e o documento de concessão de uso da terra seja em nome do homem e da mulher;
2. Assegurar que os recursos e projetos da organização sejam discutidos por toda a família (homem, mulher e filhos que trabalham), e que os documentos sejam assinados e a execução e controle também sejam realizados pelo conjunto da família.
3. Incentivar a efetiva participação das mulheres no planejamento das linhas de produção, na execução do trabalho produtivo, na administração das atividades e no controle dos resultados.
4. Em todas as atividades de formação e capacitação, de todos os setores do MST, assegurar que haja 50% de participação de homens e 50% de mulheres;
5. Garantir que em todos os núcleos de base dos acampamentos e assentamentos tenha um coordenador e uma coordenadora que, de fato, coordene as discussões, estude e faça encaminhamentos do núcleo, que participe de todas as atividades como representante da instância.
6. Garantir que em todas as atividades do MST, de todos os setores e instâncias, tenha ciranda infantil para possibilitar a efetiva participação dá família (homem e mulher);
7. Assegurar a realização de atividades de formação sobre o tema gênero e classe em todos os setores e instâncias do MST, desde o núcleo de base até a direção nacional;
8. Garantir a participação das mulheres na Frente de Massa e Setor de Produção e Cooperação e Meio Ambiente para incentivar as mulheres a ir para o acampamento, participar das atividades no processo de luta, e ser ativa nos assentamentos;
9. Realizar a discussão de cooperação de forma ampla, procurando estimular mecanismos que liberam a família de penosos trabalhos domésticos cotidianos, como refeitórios, lavanderias, etc., comunitários.
10.Garantir que as mulheres sejam sócias de cooperativas e associações com igualdade na remuneração das horas trabalhadas, na administração, planeja-mento e na discussão política e econômica.
11.Combater todas as formas de violência, particularmente contra as mulheres e crianças que são as maiores vítimas de violência no capitalismo.

Em que implica a não participação das mulheres no MST:
1. O conjunto do MST perde com baixa participação das Mulheres, pois seus objetivos ficam mais distantes. Isso porque um dos objetivos do MST é a transformação social o que exige pessoas com consciência de classe. E a maioria das mulheres Sem Terra não tem consciência de que são Trabalhadoras, portanto não se sentem motivadas para participar das lutas para a mudança estrutural.
2. A massificação das Lutas pela Terra e pela Reforma Agrária. Se a mulher vai para a luta ela leva o conjunto da família, contribuindo para massificar a luta.
3. Pouco avanço na produção de subsistência nos assentamentos, já que elas historicamente cumpriram esse papel e acumularam conhecimento, porém atualmente não são chamadas a assumir essa tarefa tão importante para a resistência e desenvolvimento sócio-econômico das famílias na terra conquistada.
4. Elas tem sido impedimento em muitos processos de cooperação nos Assentamentos, só são chamadas para executar e não para debater.
5. A mãe e mulher Sem Terra que não tem consciência de classe contribui muito para a reprodução da ideologia e dos valores burgueses dentro da família, incentivando a juventude a migrar para a cidade.

Nesses 20 anos de história é inegável a contribuição das mulheres para que o MST se tornasse uma organização respeitada no Brasil e no mundo, por suas lutas e conquistas nas áreas de produção, educação, saúde, formação.
Na concepção de gênero que vem se construindo no MST, a Luta de Gênero não é contraditória com a Luta de Classe, ela se complementam.

Posted by Sandino at julho 29, 2005 02:37 AM

Comments

Felizmente, o Movimento tenta fomentar o debate sobre as relações de gênero e promover ações positivas da participação feminina, mas ainda falta muito para que elas assumam papéis mais efetivos nas lideranças. Na mídia, então, elas só aparecem quando se tornam vítimas de um grande ato de violência ou são presas. O caso do Pontal do Paranapanema é simbólico. Diolinda Alves, uma das principais dirigentes do movimento naquela região, foi durante muito tempo “apenas” mulher do líder José Rainha Junior, na visão da imprensa nacional e até local. Mas ganha notoriedade quando, em novembro de 1996, foi presa e encaminhada para a cadeia feminina de Álvares Machado. Quem conhecia Diolinda até então? Um ano depois, uma militante chamada Miriam Farias foi vítima de um tiro em um dos confrontos entre sem-terra e jagunços durante ocupação da Fazenda São Domingos, na mesma região. Neste período um grupo de mulheres militantes organizou um ato no dia internacional das mulheres, em 1997, em protesto contra a violência desencadeada contra as mulheres do movimento. A partir daí surgiu um movimento de consciência mais forte, que se tornou um grupo de mulheres organizadas e integradas dentro do MST. Certa vez, em entrevista à revista Istoé, Diolinda, que também passou 18 dias no Carandiru em 96 e, depois, em 2003, 53 dias na cadeia de Piquerobi (SP), disse o seguinte: “Cheguei a dividir com 15 mulheres a mesma cela. Só havia seis colchões. Revezávamos para dormir e ficar em pé. Mas nada me agoniava tanto como a falta de Sofia (filha). Fui presa quando estava lhe dando o almoço”. Pena que para muitos, Diolinda foi e tão somente a “mulher de José Rainha”. (Para ler a entrevista: http://www.terra.com.br/istoe/1780/brasil/1780_falta_um_pedacao.htm)

Posted by: Ana Paula at julho 30, 2005 01:09 PM

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