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outubro 25, 2005

Produção estrangeira domina programação infantil

A programação da televisão brasileira aberta não satisfaz as necessidades de crianças e adolescentes, principalmente as de 8 a 11 anos, que só encontram atrações apropriadas para elas em alguns canais da televisão por assinatura, aos quais apenas uma pequena parcela da população infantil tem acesso. Sem uma produção nacional de programas televisivos de qualidade dirigidos a crianças dessa faixa etária, as emissoras e produtoras de TV têm como um de seus grandes desafios a ocupação desse espaço. Esse é o “recado” trazido a público por uma pesquisa divulgada nesta semana pelo Midiativa - Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes.
O trabalho foi feito em São Paulo e no Rio de Janeiro com as classes A, B, C e D. Ele indica quais são os programas da TV aberta e fechada preferidos por crianças e adolescentes de 4 a 17 anos, e cuja qualidade é aprovada pelos pais. O perfil dos programas selecionados revela o tamanho da hegemonia estrangeira sobre os desenhos animados e a teledramaturgia disponíveis para as crianças e jovens brasileiros. A faixa etária dos 4 aos 7 anos contou com 14 indicações, das quais apenas 2 são feitas no Brasil (TV Xuxa e Sitio do Pica-pau Amarelo). Dos 8 aos 11 anos, foram indicados 21 produções, sendo 2 brasileiras (A Grande Família e TV Globinho). E dos 12 aos 17 anos, com 17 indicações, a tendência se inverte e 11 delas são produzidas no país.

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As informações colhidas também servirão de base para a segunda edição do Prêmio MídiaQ, que será entregue na próxima terça (25), com o objetivo de dar visibilidade às produções televisivas de qualidade assistidas por crianças e jovens (leia mais “Pesquisa mostra melhores programas para crianças”). No ano passado, não houve vencedores na categoria de 8 a 11 anos porque o conselho de especialistas que seleciona os premiados considerou que nenhuma das produções que concorriam para essa faixa etária atendia plenamente aos critérios básicos adotados para o prêmio, que conta com mais outras duas categorias, de 4 a 7 anos e de 12 a 17 anos. A decisão, segundo o Midiativa, foi também uma forma de chamar a atenção do mercado para a carência de produções adequadas para essas crianças.
Neste ano, a pesquisa foi estendida à televisão por assinatura e, com isso, ficou clara a ausência de produção nacional na faixa etária de 8 a 11 anos, em especial para as camadas de menor renda, porque a quantidade de programas apontados na TV fechada foi muito superior à da aberta. “Dessa vez, eles incluíram acertadamente a televisão por assinatura e o contraste ficou maior. A pesquisa reforçou mais uma vez o apartheid da TV brasileira, entre a televisão dos ricos e a dos pobres. Há um cardápio relativamente diversificado de programas para essa faixa etária na televisão por assinatura e praticamente nada na aberta. Mais uma vez aqueles que têm mais recursos são mais favorecidos com uma oferta maior de programas, principalmente nessa faixa etária”, afirma Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Quase toda a programação infanto-juvenil veiculada no Brasil é produzida fora do país. “Qual é a influência que isso tem na formação de crianças e jovens como seres humanos e como cidadãos?”, questiona a diretora do Midiativa, Âmbar de Barros, que considera necessária uma TV “com os nossos valores, que mostre as nossas raízes”. Outro aspecto que chama a atenção na pesquisa é a falta de conhecimento da programação infanto-juvenil por parte de pais e mães, principalmente a dos canais infantis da TV por assinatura. “Cada vez mais os pais estão se eximindo da enorme responsabilidade de acompanhar o que seus filhos vêem”, diz Âmbar.
Isso se torna ainda mais grave considerando-se que as crianças brasileiras foram apontadas como as que passam mais tempo diante da televisão, seguidas das americanas, numa pesquisa divulgada na França, segunda (17), pela Eurodata TV Worldwide, com nove países (Brasil, Estados Unidos, Indonésia, Itália, África do Sul, Espanha, Reino Unido, França e Alemanha). Enquanto uma criança brasileira permanece em média 3 horas e 31 minutos por dia diante da televisão, as alemãs não ficam mais que uma hora e meia em frente ao televisor, ainda que 95% dos lares tenham acesso à TV a cabo e a uma grande oferta de canais gratuitos.

Adolescentes
Em 2004, a parte qualitativa da pesquisa mostrou a visão de pais e mães sobre a televisão. O trabalho identificou os valores que eles gostariam que os programas transmitissem para seus filhos, resultando numa lista de 10 mandamentos para uma programação infanto-juvenil de qualidade. Neste ano, a pesquisa qualitativa se centrou nos adolescentes de 12 a 17 anos, público considerado como um desafio para a televisão e para os próprios pais. Ela buscou descobrir os desejos dessa faixa etária, o que eles esperam da TV e de outros meios de comunicação e como os adolescentes se relacionam com eles.
O estudo mostra que os jovens pesquisados traçam objetivos claros para o futuro, mas não têm sonhos nem bandeiras, e estão confortáveis e satisfeitos com o que os pais conseguiram proporcionar financeira e emocionalmente. Não pensam em grandes vôos ou mudanças profundas, buscam sucesso profissional e familiar e uma vida financeira estável. A grande maioria se espelha em celebridades, mas é uma geração sem verdadeiros ídolos, pois não admiram ninguém em especial, a não ser os próprios pais, e sequer conseguem apontar características marcantes em alguém que mereça ser admirado. Valorizam a individualidade, não são engajados politicamente e estão descrentes e afastados do dia-a-dia da política. O que eles querem, na verdade, é poder usufruir hoje e sempre de tudo o que a vida moderna e a tecnologia podem oferecer.
De acordo com a pesquisa, os jovens estão se distanciando cada vez mais da TV como ela é hoje, porque esse meio de comunicação já não consegue mais se comunicar bem com esse público, e a Internet e o celular vêm ocupando o espaço deixado. A Internet foi apontada pelos jovens pesquisados como o meio que satisfaz o maior número de desejos deles em relação aos meios de comunicação, como o de saber o que está acontecendo, ter opções de escolher o que quer, fazer o tempo passar mais rápido, abrir possibilidades de interação e participação, e de conhecer, encontrar e conversar com várias pessoas, poder usar uma linguagem do dia-a-dia, rápida e fácil. “Quanto mais os jovens têm acesso à Internet, menos se dedicam à TV, e chama a atenção o baixo índice de conhecimento dos programas que estão no ar e a falta de atratividade deles para os adolescentes”, afirma Ana Helena Reis, diretora geral da MultiFocus, empresa responsável pela pesquisa.
Esse perfil do jovem brasileiro, no entanto, é contestado por Laurindo Leal Filho. Segundo ele, o fato de metade dos entrevistados ter acesso somente à TV aberta e a outra metade ter também À TV por assinatura causou distorções no resultado da pesquisa, que não representa a realidade do jovem brasileiro. “Não é essa a proporção de acesso a essas mídias na sociedade brasileira, ficaria mais equilibrado se fosse proporcional. Assim me parece uma generalização indevida, pois generaliza a partir de dados que não são gerais e não refletem a realidade. Suponho que os jovens tenham objetivos, podem não ser grandes bandeiras políticas, de revolução e transformação social, mas há objetivos. A gente vê grupos se organizando na periferia que têm objetivos políticos muito claros”.
O mesmo desvio ocorreria com a suposta perda de espaço da TV para a Internet. “Qual é o número de jovens que tem acesso à Internet? Os dados que eu tenho são de que não chega a 10% da população, enquanto a televisão está presente em 98% dos domicílios brasileiros, ou seja, praticamente toda a população tem acesso”, argumenta o professor da USP. Sendo tão ampla a diferença entre o acesso à televisão e à Internet, é complicado comparar esses dados. Os 50% que têm acesso à TV por assinatura influenciam nos resultados, já que eles são também da parcela privilegiada que tem acesso à Internet. “Fica inflado artificialmente, o papel da Internet. Na verdade, ela não pode estar roubando tanto o espaço da TV. Rouba, mas naquela camada incluída no mercado, que são 20 a 30 milhões de brasileiros. E Tem potencial de roubar mais, desde que haja uma melhor distribuição de renda”, diz.

Veja a lista dos programas indicados:

12 a 17 anos
- A Diarista
- A Grande Família
- Beija Sapo
- Big Brother Brasil
- Chaves
- Eu, a patroa e as crianças
- Futebol
- Malhação
- Novela das 8 na Globo
- Os Simpsons
- Pânico na TV
- The O.C.
- RockGol 2005
- TVZ
- Um Maluco no Pedaço
- Vídeo Show
- Zorra Total

8 a 11 anos
- A Grande Família
- As Meninas Superpoderosas
- Bob Esponja
- Chaves
- Coragem, o Cão Covarde
- Ei Arnold!
- Eu, a patroa e as crianças
- Jimmy Neutron
- Homem-Aranha
- Lilo & Stitch da Disney - A Série
- Os Flintstones
- Os Simpsons
- Pernalonga e Patolino
- Pica-Pau
- Rocket Power
- Sabrina
- Scooby-Doo
- Tela de Sucessos
- Timão e Pumba
- Tom e Jerry
- TV Globinho

4 a 7 anos
- Bob Esponja
- Caillou
- Chaves
- Os Flintstones
- Garfield e seus Amigos
- Jimmy Neutron
- Looney Tunes
- As Meninas Superpoderosas
- O Pequeno Urso
- Pica-Pau
- Scooby-Doo
- Sítio do Pica-pau Amarelo
- Tom e Jerry
- TV Xuxa

Posted by Sandino at 09:35 PM | Comments (4)

Discussão do referendo foi rasa

Foi o primeiro referendo da história do país e um dos maiores da história do mundo. Em questão, o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, que instituiria a proibição do comércio de armas e munições no país. Na tarde de segunda-feira (24), foi divulgado o resultado final: o “não” venceu com 63,94% contra 36,06% feitos pelo “sim”. Além dos votos válidos, foram registrados 1,39% dos votos em branco, 1,68% dos votos nulos e 21,85% de abstenções (pessoas aptas que ou não compareceram ou justificaram a sua ausência aos respectivos domicílios eleitorais). Após um processo rápido e uma campanha que sofreu críticas de todos os lados, a falta de coesão da posição e do engajamento das entidades da sociedade civil se reflete agora também na avaliação sobre o resultado do referendo e as lições que precisam ser extraídas da consulta feita à população brasileira. Embora haja diferenças na avaliação sobre o resultado, há acordo que um dos grandes saldos do referendo foi a superficialidade da discussão sobre o tema.

Para as entidades da área de direitos humanos ouvidas pela Carta Maior, um dos fatores que contribuiu para isso foi o método do referendo, que teve várias debilidades e incentivou a despolitização da discussão, ao invés de ter promovido o envolvimento da população no debate tanto da questão sobre a qual as pessoas deveriam opinar quanto em relação ao problema de fundo do estatuto: o combate à violência no Brasil.
A definição sobre quem poderia fazer campanha acabou por influenciar um formato centrado apenas nas duas frentes parlamentares (que defendiam o “sim” e o “não”). “Isso deixou o referendo como algo exclusivo dos partidos e do parlamento, e num cenário extremamente complicado, pois estas frentes não foram resultado de debate programático dentro das legendas, tendo algumas que possuíam parlamentares defendendo o sim e o não”, critica Ivônio Barros, coordenador do Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FENDH).
Este fator, aliado às normas do Tribunal Superior Eleitoral (que, entre outras coisas, impediram a manifestação de posição de entidades da sociedade civil), acabou criando um clima de disputa eleitoral. “Isso diminuiu o debate, virando uma propaganda e não um debate político. E o pior é que pegaram a parte ruim da campanha eleitoral, as estratégias publicitárias que transformam os candidatos e idéias em produtos”, comenta Barros. Desta forma, continua, o formato da campanha afastou as pessoas e grupos sociais organizados, prejudicando a reflexão sobre os problemas colocados pelo referendo.

Discursos
Outro problema detectado foram os discursos usados pelos defensores do “sim” e do “não”. Na avaliação de Ivônio Barros, o referendo acabou sendo colocado para a população como se fosse uma tábua de salvação sobre a questão da violência. “Ficou uma idéia de que a proibição iria resolver todo o problema da segurança, o que não é verdade. O sim era relativo apenas ao comércio de armas e munição, medida importante mas não uma resposta completa e total ao problema da segurança pública no Brasil”. Segundo ele, esta perspectiva de resolução de todos os problemas era quase uma ofensa à compreensão das pessoas, que entendiam o caráter parcial e limitado da medida colocada em consulta pelo referendo.
Para Paulo Carbonari, do Movimento Nacional de Direitos Humanos, as campanhas se utilizaram de expedientes conservadores e favoreceram a construção de concepções maniqueístas sobre o problema. “A dicotomia entre o ‘bandido’ e o ‘homem de bem’ foi muito usada, reforçando estereótipos e conceitos mal colocados”. Segundo Carbonari, houve uma inversão sobre o que estava colocado como “direito da população” e os defensores do sim não conseguiram trabalhar com a idéia de que a segurança, este sim um direito essencial da população, promovida pela proibição poderia trazer aos cidadãos.

Resultados
Segundo Paulo Carbonari, uma das lições do resultado do referendo foi a compreensão da população sobre a atuação limitada do poder público em relação à questão da segurança pública e do combate à violência. “As pessoas manifestaram que se o Estado não dá conta de responder aos problemas elas também não estão dispostas a abrir mão de sua possibilidade de se defender”, comenta. Para Ivônio Barros, é preciso analisar com mais calma a votação, pois ela não dá condições ainda afirmar que o discurso conservador realmente foi apropriado peã população. “Acho que precisamos ter tranqüilidade e não se deixar contaminar pelo frenesi da direita, que já surge querendo colocar vários outros temas como objeto de referendo, como pena de morte e a diminuição da maioridade penal. Eles não têm esta força toda e para que estes assuntos virem referendo iria demorar ainda um bom tempo”, argumenta.
No entanto, os dois divergem sobre a interpretação possível de ser feita sobre a participação da população no referendo (foi registrada abstenção de 21,85%, número bem mais alto do que a média de aproximadamente 14% contabilizada nas últimas eleições). Paulo Cabonari vê como positiva presença dos brasileiros apesar do alto índice de abstenções. “A expectativa colocada por várias pessoas que estavam descrentes da importante função do referendo era de 30% de abstenção e vimos que foi bem abaixo disso”, pontua. Cabonari avalia que o referendo contribuiu pra aprofundar a democracia brasileira e que deve ser usado como instrumento de democracia direta da população em relação a temas estratégicos.
Ele lembra que já existem demandas reprimidas de consultas como estas para assuntos como a entrada do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e gestão da dívida externa do país. Já na opinião de Ivônio Barros, apesar do resultado confuso, é possível afirmar que a população deu sua resposta ao método equivocado do referendo e à superficialidade da discussão mostrando que não via o referendo com tanta importância como ele era colocado nas campanhas.
Uma concordância para ambos foi, inclusive pelas restrições legais, a dificuldade por parte dos movimentos sociais e entidades da sociedade civil de entender seu papel nesta disputa. A falta de coesão se deu desde as próprias entidades, que tiveram dificuldade em unificar um discurso unitário em torno do “sim” que contemplasse as especificidades de cada uma das lutas populares até o diálogo do conjunto das entidades para com a frente parlamentar “por um Brasil sem armas”. Para Paulo Carbonari, o referendo colocou o desafio das entidades da sociedade civil refletirem sobre seu lugar dentro de processos de democracia direta que nem este. “Já aprendemos a participar das eleições mas ainda precisamos aprender a trabalhar com mecanismos de consulta direta sobre temas”, pondera.

Posted by Sandino at 09:29 PM | Comments (2)

Cultura não é mercadoria

A Unesco aprovou na semana passada, com pouquíssima repercussão na imprensa brasileira, a Convenção sobre Diversidade Cultural. A resolução foi apoiada por 148 países, com 2 votos contra – EUA e Israel, para quem os intercâmbios culturais deveriam ser regidos pelas mesmas leis do comércio internacional.
Depois de longos anos de debate, finalmente a Unesco aprovou, na semana passada – com pouquíssima repercussão na imprensa brasileira –a Convenção sobre Diversidade Cultural, em sua 33ª Conferência Geral, realizada em Paris. A resolução foi apoiada por 148 países, com 2 votos contra – EUA e Israel – e 4 abstenções – Austrália, Nicarágua, Honduras e Libéria.
Para os EUA, os intercâmbios culturais deveriam ser regidos pelas mesmas leis do comércio internacional, submetidas às políticas de “livre-comércio” da OMC. O debate transcorreu ao longo de duas décadas e meia, quando os EUA, não contentes de dispor de 85% do mercado mundial de cinema, queriam poder estender ainda mais o seu império, para o que necessitariam do desaparecimento das políticas culturais de caráter nacional ou de integração regional, de apoio a projetos, de divulgação ou de cotas de proteção dos mercados nacionais e regionais.
A resistência foi iniciada pelos franceses, em princípio com a definição do que chamavam de “exceções culturais”, mas que evoluiu para a definição da defesa da “diversidade cultural”. Os EUA haviam chegado a abandonar a Unesco, em 1984, descontentes com os rumos que tomava a discussão. Retornaram recentemente, mas encontraram um consenso geral contrário às suas posições, que se expressou finalmente na votação da semana passada.
Aliados dos EUA, como o ex-primeiro ministro espanhol José Maria Aznar, chegaram a expressar o conteúdo das posições de Washington com rara dureza: “a exceção cultural é o argumento dos países culturalmente fracos”, disse ele. Para os EUA, a aprovação da resolução “pode prejudicar a livre circulação de bens e serviços” e “legitimar as violações dos direitos humanos” (sic). Washington pressionou fortemente seus aliados, com argumentos utilizados diretamente por Condoleeza Rice, como os de que deixariam de comprar produtos como arroz, trigo, algodão, importados da América Central. Com isso, conseguiram a abstenção da Nicarágua e de Honduras.
A aprovação da convenção não garante sua imediata aprovação, apenas instaura o marco legal de defesa da diversidade cultural. Mas só terá validade para os países que a ratificarem. Fundamental agora é que, da forma mais rápida possível e pelo maior número de governos, o acordo seja ratificado, para que a hegemonia imperial não imponha sua brutal homogeneidade de forma ainda mais ilimitada ao mundo todo.

Posted by Sandino at 09:25 PM | Comments (0)

outubro 24, 2005

Vitória do NÃO gera surto de plebiscitismo

Na antevéspera do referendo, quando o Ibope deixou claro que o NÃO sairia vitorioso – embora por margem menor do que a que viria, afinal, das urnas –, comentei com algumas pessoas, pensando fazer ironia, que o próximo passo será um plebiscito sobre a pena de morte.
Prova de que tudo sempre pode ficar pior, a manchete do Globo de ontem informava: “Endurecimento da lei penal já começa a ser discutido”. Redução da maioridade penal, prisão perpétua e “até a pena de morte”, dizia o jornal, poderão ser temas de “novas consultas”.
Hoje, a Folha emenda: “Frente do não agora quer prisão perpétua”. No Estado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Velloso, aparece pedindo “consultas sobre outros temas, como liberação de aborto em casos de fetos sem cérebro”. E há quem defenda que o eleitorado, e não os seus representantes, decida também sobre o aborto em qualquer caso.
Uma razão para o surto de plebiscitismo decerto está nos resultados da mais recente pesquisa DataFolha sobre a imagem do Congresso Nacional: 46% dos entrevistados consideram o desempenho do Legislativo ruim ou péssimo.
Considerando a margem de erro da sondagem, é o mesmo resultado de agosto (48%). Para se ter idéia, em dezembro de 2003, o ruim/péssimo (22%) empatava com o ótimo/bom (24%).
Sumiram do noticiário os que criticavam o referendo das armas, por seu custo – esquecidos, aliás, de que a sua realização foi uma exigência da bancada da bala para deixar de obstruir a votação do Estatuto do Desarmamento.
A chamada democracia direta, mediante consultas populares, é uma arma carregada de problemas. Se não for cuidadosamente manejada – na periodicidade e, principalmente, na escolha dos temas – o tiro sairá pela culatra.
Na Califórnia, onde é usada a torto e a direito, acabou dando, depois de várias votações desastrosas para os cofres públicos, na eleição de Arnold Schwarzenegger para governador de Estado.
Três observações finais sobre o referendo de ontem.
A agressividade, beirando a hidrofobia, de não poucos defensores do NÃO, em declarações ou artigos na imprensa. Exemplo: “O governo petista sabe manejar nossa burrice, vendendo o desarmamento igual à creolina jogada dentro da privada, que só esconde o fedor das fezes, mas não as descarrega esgoto abaixo. Esses demagogos são o ovo da serpente… cânceres sempre prontos para entrar em metástase…” (Ênio Mainardi, publicitário, no Estado de ontem.)
A correlação entre a tendência ao voto NÃO e o desgosto com o governo Lula – e vice-versa – captada pelo Ibope. [Esse é um dos riscos insanáveis do plebiscitismo: a contaminação do assunto submetido à consulta for fatores que lhe são alheios ou circunstanciais.]
Em São Paulo, noticia a Folha, o SIM “só ganhou em três regiões, justamente as líderes no ranking de homicídios”. Já o voto NÃO “foi maior em áreas de altos índices sociais e baixa violência”.

Posted by Sandino at 06:41 PM | Comments (1)

Trinta e cinco milhões de brasileiros votam pelo fim do comércio de armas

O Viva Rio luta há 11 anos por uma sociedade mais justa e igualitária, através dos direitos soberanos de todo cidadão. Educação, inclusão social, segurança pública e o maior de todos, a vida. Foram muitas vitórias nessa década de ações: Mais de 38 projetos, em 400 comunidades do estado do Rio de Janeiro.
Para os que lutaram pelo abolição do comércio de armas, o resultado do referendo não é uma derrota de fato. Perdemos ganhando, pois 36 milhões de brasileiros votaram convictos contra as armas. Dos 64% que votou contra a proibição do comércio de armas e munição no Brasil, fez sua opção por vários motivos. Por perder um direito, protesto ao Governo atual, à polícia, entre outros.
Segundo Rubem César, os milhões de pessoas que votaram "Sim" representam uma força sólida e coerente pelo desarmamento:
- O "Não" teve uma estratégia inteligente de marketing político porque atraiu o não a muitas coisas: o não ao referendo (não vai adiantar nada), o não ao governo (o governo quer o sim), às instituições públicas (não funcionam), à polícia (não me protege) e à desigualdade. O não conseguiu reunir uma insatisfação generalizada. Mas o "Sim" é homogêneo, coerente e forte. Perdemos ganhando. No mundo todo, há uma tendência ao armamento da população. Aqui, mesmo diante dessa violência toda, o sim ao desarmamento mostrou a sua força".
Em consequência da crise política e da discussão levantada pelo referendo, Rubem César acredita que a corrupção política e a segurança pública são os dois grandes temas que vão dominar o debate público em 2006: "Vivemos este ano um trauma de corrupção que até prejudicou muito o "Sim". O debate sobre a segurança pública, que não se tornou prioritário no debate nacional nas eleições passadas, vai dominar o cenário em 2006. Ele vai condicionar a luta política daqui pra frente".
E nesse caso, todos vencem.

Posted by Sandino at 06:31 PM | Comments (3)