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outubro 24, 2005
Vitória do NÃO gera surto de plebiscitismo
Na antevéspera do referendo, quando o Ibope deixou claro que o NÃO sairia vitorioso – embora por margem menor do que a que viria, afinal, das urnas –, comentei com algumas pessoas, pensando fazer ironia, que o próximo passo será um plebiscito sobre a pena de morte.
Prova de que tudo sempre pode ficar pior, a manchete do Globo de ontem informava: “Endurecimento da lei penal já começa a ser discutido”. Redução da maioridade penal, prisão perpétua e “até a pena de morte”, dizia o jornal, poderão ser temas de “novas consultas”.
Hoje, a Folha emenda: “Frente do não agora quer prisão perpétua”. No Estado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Velloso, aparece pedindo “consultas sobre outros temas, como liberação de aborto em casos de fetos sem cérebro”. E há quem defenda que o eleitorado, e não os seus representantes, decida também sobre o aborto em qualquer caso.
Uma razão para o surto de plebiscitismo decerto está nos resultados da mais recente pesquisa DataFolha sobre a imagem do Congresso Nacional: 46% dos entrevistados consideram o desempenho do Legislativo ruim ou péssimo.
Considerando a margem de erro da sondagem, é o mesmo resultado de agosto (48%). Para se ter idéia, em dezembro de 2003, o ruim/péssimo (22%) empatava com o ótimo/bom (24%).
Sumiram do noticiário os que criticavam o referendo das armas, por seu custo – esquecidos, aliás, de que a sua realização foi uma exigência da bancada da bala para deixar de obstruir a votação do Estatuto do Desarmamento.
A chamada democracia direta, mediante consultas populares, é uma arma carregada de problemas. Se não for cuidadosamente manejada – na periodicidade e, principalmente, na escolha dos temas – o tiro sairá pela culatra.
Na Califórnia, onde é usada a torto e a direito, acabou dando, depois de várias votações desastrosas para os cofres públicos, na eleição de Arnold Schwarzenegger para governador de Estado.
Três observações finais sobre o referendo de ontem.
A agressividade, beirando a hidrofobia, de não poucos defensores do NÃO, em declarações ou artigos na imprensa. Exemplo: “O governo petista sabe manejar nossa burrice, vendendo o desarmamento igual à creolina jogada dentro da privada, que só esconde o fedor das fezes, mas não as descarrega esgoto abaixo. Esses demagogos são o ovo da serpente… cânceres sempre prontos para entrar em metástase…” (Ênio Mainardi, publicitário, no Estado de ontem.)
A correlação entre a tendência ao voto NÃO e o desgosto com o governo Lula – e vice-versa – captada pelo Ibope. [Esse é um dos riscos insanáveis do plebiscitismo: a contaminação do assunto submetido à consulta for fatores que lhe são alheios ou circunstanciais.]
Em São Paulo, noticia a Folha, o SIM “só ganhou em três regiões, justamente as líderes no ranking de homicídios”. Já o voto NÃO “foi maior em áreas de altos índices sociais e baixa violência”.
Posted by Sandino at outubro 24, 2005 06:41 PM
Comments
Pelo que dizes, foi a elite que votou no NÃO.
Feliz o Brasil, o único país do mundo em que a elite é constituída pela maioria dos eleitores!
Concordo que o referendo é um instrumento poderoso e que deva ser usado com cautela.
Mas precisas abandonar o rancor do teu pensamento. O que ocorreu foi que a sua opinião não condiz com a da maioria, somente isto. Uns dias se ganha, outros se perde, c'est la vie...
Posted by: MV at outubro 26, 2005 11:24 PM