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julho 30, 2010
Cinema: "Uma noite em 67" revive histórico festival
Como transformar um programa de televisão em História? Nem os envolvidos parecem saber. "Só queríamos fazer um bom programa de TV", confessa Solano Ribeiro, produtor do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, cuja noite de encerramento, em 21 de outubro de 1967, terminou sendo histórica, com direito a violão quebrado, guitarras estridentes, urros de alegria e vaias.
O documentário "Uma Noite em 67", em estreia nacional, combina imagens de arquivo da Rede Record, que coproduz o filme, com depoimentos de personagens fundamentais do evento, como Caetano Veloso, Edu Lobo, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Sérgio Ricardo e Roberto Carlos -que foram entrevistados pelos diretores do filme, Ricardo Calil e Renato Terra, 43 anos depois daquela final.
Como o filme mostra, aqueles eram tempos conturbados, de incertezas e mudanças políticas e culturais. Em plena ditadura militar, era uma época de protestos. Tudo era motivo para sair na rua carregando faixas contra qualquer coisa - até as guitarras elétricas, consideradas por alguns artistas como um sinônimo do imperialismo norte-americano.
Por isso, acabou sendo uma atitude também política quando Caetano subiu ao palco para cantar "Alegria, Alegria" acompanhado de tais instrumentos. Aos poucos, as vaias se dissiparam e a beleza da música jogou para escanteio qualquer preconceito artístico.
Fica claro que o amor pela música impulsionou o trabalho dos diretores de "Uma Noite em 67", Calil e Terra, respectivamente crítico de cinema e publicitário, ambos estreantes em cinema. No documentário, não se recorre a invencionices, gráficos, desenhos ou qualquer recurso visual para desviar a atenção. O filme é documentário em sua essência, informativo e carinhoso, sem cair nunca num didatismo enfadonho.
A montagem de Jordana Berg cria um diálogo entre o passado (imagens de arquivo) e o presente (entrevistas atuais). É curioso ver como esses artistas olham para o passado, para uma época em que seus nomes começavam a ganhar notoriedade.
O compositor Edu Lobo diz que se via mais maduro naquele tempo, quando tinha 20 e poucos anos. Já Chico Buarque diz com seu famoso sorriso que "não fica pensando nessas histórias velhas". E Sergio Ricardo explica em detalhes as emoções que o dominaram, levando-o a quebrar seu violão e atirá-lo no público, que vaiava sem cessar sua interpretação de "Beto Bom de Bola".
Já seria mais do que suficiente se "Uma Noite em 67" fosse um retrato, mesmo que um tanto nostálgico, daquela época, resgatando a memória dos que viveram o período e revelando um pouco dos festivais de música para os jovens de hoje. No entanto, o documentário vai além disso, numa época pré-AI-5, quando não se vivia ainda nos anos de chumbo.
Há um quê de inocência nas músicas, apesar de suas críticas sociais - como em "Domingo no Parque", que Gil cantou com Os Mutantes -, "Alegria, Alegria" e "Roda Viva" - interpretada por Chico e o MPB-4. Os próprios entrevistados relembram não apenas daquela noite em 67, mas também da trajetória da música, de sua criação, entre outras coisas.
Se no palco o momento era de mudanças radicais na música, na plateia e bastidores o clima era de pura descontração, de um humor quase nonsense. Entre uma música e outra, andando nos bastidores, o apresentador Randal Juliano comenta com sua colega que segura o outro microfone: "Seu vestido é muito bonito, essa cor é nova, né?". Ao que Cidinha Campos prontamente responde: "É rosa-choque, com verde-chuchu".
Partindo de um marco da televisão e da MPB - há muitos outros em vários outros festivais -, os diretores Calil e Terra fazem uma ótima meditação sobre o poder e o papel da música, tanto como elemento de diversão, como de transformação, ou representação de um momento histórico.
Veja abaixo o trailer
Fonte: Cineweb
Posted by Sandino at 04:25 PM | Comments (0)
New Wave Brasileira: Lucy and The Popsonics
Energia nuclear, amores grudentos, a moda do brit-pop, corações desiludidos e até uma música em francês. Os brasilienses do Lucy and the Popsonics conseguiram dar identidade ao primeiro trabalho, se estabelecendo como uma das boas promessas do eletro/rock brasileiro. E o segundo cd já está a caminho, com uma ousada versão de “Refused/Resist”, clássico do Sepultura.
Posted by Sandino at 04:11 PM | Comments (0)
O caso Rafael Mascarenhas
O perigoso lazer da juventude urbana
Por Maria Clara Lucchetti Bingemer* (Adital)
Há cerca de um ano, escrevi um artigo sobre o atropelamento de Pedro, filho de uma amiga. Falava da violência e da impunidade nas cidades grandes, onde um rapaz de 26 anos é atropelado irresponsavelmente por alguém que o deixa semimorto na rua e foge. Pedro, graças a Deus, vai se recuperando milagrosamente, surpreendendo medicos, familiares e amigos.
Não teve a mesma sorte Rafael Mascarenhas, mais jovem ainda, 18 anos, filho da atriz Cissa Guimarães e do músico Raul Mascarenhas, que andava de skate na pista interditada do túnel Zuzu Angel durante a madrugada e foi atropelado e morto por um carro turbinado que "botava um pega" com outro na contramão. Rafael foi atingido em cheio pelo carro assassino e não conseguiu sobreviver, apesar da saúde e da juventude.
O Rio acompanhou consternado a dor de Cissa, sua mãe, e Raul, o pai, amigos e familiares. Em seu velório, os jovens, perplexos, defrontavam-se talvez pela primeira vez com a fatal inimiga, a morte, que chegou antes da hora e de maneira cruel, criminosa, infeccionando a noite com sua violência camuflada em jogo mortal.
Impressiona-me neste fatal e terrível acidente o fato de que se amontoam circunstâncias erradas e desordenadas. O túnel teoricamente estava em manutenção. Mas de manutenção mesmo só havia os cavaletes e o aviso inócuo. Inócuo porque naquela noite, como provavelmente em várias outras, não houve trabalho de manutenção no túnel. Ou seja, toda a parafernália montada para fazer de conta que a prefeitura cuidava da cidade, como era seu dever, e mantinha o túnel em bom estado de conservação, era apenas uma camuflagem que o único efeito que teve foi permitir que os assassinos levassem a cabo sua brincadeira impune e letal.
Várias vezes, ao voltar para casa em Laranjeiras, onde moro, encontrei o Túnel Rebouças interditado teoricamente para serviços de manutenção. Ao dia seguinte, ao entrar nele novamente, sempre me impressionava a invisibilidade da dita manutenção, já que as pistas continuavam esburacadas, as poças da chuva também, fazendo os carros desviarem sua rota e perigosamente mudar de pista em alta velocidade. O mesmo acontece nos túneis Santa Bárbara, no de São Conrado e no Zuzu Angel. Que manutenção fictícia é essa então?
Mais errado ainda, se se pode ponderar e medir erros que resultam em morte, estavam certamente os dois garotos que na falta de coisa melhor que fazer desafiavam o perigo com seus carros turbinados fazendo perigosa "roleta" na pista do túnel. O resultado aí está: no meio do caminho havia uma pessoa, um jovem músico, que fazia seu esporte de skatista e cuja vida foi brutalmente interrompida pela velocidade irresponsável.
Rafael andava de skate de madrugada. Estava errado? Devo dizer que não me agrada o skate. Acho perigoso, os meninos andam sem capacete, se arriscam. Meu filho nunca se interessou muito pelo skate. Quando pronunciou a palavra moto em casa, imediatamente foi ajudado a comprar um carro de segunda mão em suaves prestações. Adiamos assim a angústia, o perigo, que sempre existe, até em atravessar a rua. Ou andar de skate em uma pista interditada, que a rigor deveria estar vazia.
Por mais imprudente que fosse o lazer de Rafael -que estava acompanhado de amigos- nada justifica o que aconteceu. Sendo filho de uma famosa atriz global, esperemos que ao menos seu caso sirva de alerta para todas as instâncias implicadas no acidente. Começando pela prefeitura, pela CET-Rio e todos os demais órgãos públicos encarregados de zelar pela segurança das ruas e que desempenham seu ofício de maneira no mínimo sofrível.
Talvez com a repercussão da morte de Rafael, a juventude carioca e todos os habitantes desta cidade e das outras capitais do país possam transitar um pouco mais seguros pelas ruas. Tomara! Mas ...e o que acontece com Pedro e outros que continuam sofrendo as consequências de um acidente que segue encoberto pela impunidade criminosa? E outros, mais que Pedro, pior que ele, que sem condições econômicas para um tratamento morrem abandonados na rua depois de atropelados por falta de socorro ou nos corredores dos hospitais públicos, sem atendimento diligente e competente?
O rosto sorridente do jovem guitarrista e músico Rafael nos sirva de alerta sobre o que estamos fazendo com nossas cidades, que em vez de espaços urbanos para a vida estão rapidamente transformando-se em cemitérios e corredores da morte para tantos, sobretudo para jovens desavisados.
* Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Posted by Sandino at 03:16 PM | Comments (0)
Cinema: Psicose completa meio século
Marco na história do cinema, Psicose faz 50 anos
Por Marcello Castilho Avellar, em Diario de Pernambuco
Uma delas, e não das menos importantes, acaba de se tornar cinquentona: Psicose, dirigido por Alfred Hitchcock, foi lançado em 16 de junho de 1960. Seria possível dividir o cinema em a.P e d.P (antes de Psicose e depois de Psicose)?
A operação parece fácil com obras que os historiadores apontam como fundamentais para a gênese da linguagem cinematográfica, como Nascimento de uma nação, Encouraçado Potemkin, Paisá, Acossado. Mas possivelmente pode ser realizada, também, com o filme mais célebre do mestre do suspense. Para realizá-la, precisamos investigar em que o cinema de hoje é diferente da produção a.P., e em que isso pode ser atribuído a Psicose.
A primeira coisa que percebemos é que houve uma aceleração no ritmo da montagem cinematográfica. Boa parte das sequências mais importantes de muitos filmes atuais são fundadas em planos curtos unidos por cortes súbitos. Essa paixão do espectador atual pela velocidade se deve ao que ele aprendeu graças a ferramentas e processos variados.
Psicose continua sendo um dos filmes mais rentáveis da história
O controle remoto e o mouse tornaram real a possibilidade de alguém saltar com agilidade de um estímulo audiovisual para outro, a internet, a televisão e o vídeo (principalmente o clipe) propuseram formas narrativas baseadas na overdose de imagens. Mas podemos nos perguntar como o espectador começou a gostar disso (ou como voltou a gostar disso).
A resposta com certeza está na célebre sequência do chuveiro em Psicose, a mais famosa do filme, que propôs um padrão na relação entre quantidade de estímulos visuais e tempo que não se via no cinema desde os filmes silenciosos.
Outro traço característico do cinema a.P. era sua obsessão por gêneros. Para terem certeza de encontrar um público bem definido, filmes tinham que se afirmar dentro de certas categorias, regidas por características, técnicas, atmosferas, linguagens, espaços materiais ou conceituais - uma comédia era uma comédia, um musical era um musical, um western era um western.
Mesmo as produções mais rebeldes acabavam respeitando essa lógica (como o Acossado, de Jean-Luc Godard, um dos filmes fundadores da Nouvelle Vague e ostensivamente uma narrativa policial). Basta olhar para o cinema ou a televisão nos dias de hoje para verificar o tanto que as fronteiras entre os gêneros se esgarçaram (e, em alguns casos, foram completamente rompidas).
Psicose é o ponto de inflexão. Possivelmente vai satisfazer os requisitos determinados em qualquer categorização que tente definir gêneros como terror, filme de suspense ou narrativa policial, mas recusa-se a se limitar a qualquer delas. Pensando radicalmente, podemos pensá-lo até mesmo como uma comédia de humor negro - o que o tornaria antepassado distante das comédias de terror contemporâneas, ou dos filmes de terror pretensamente sérios que, por incompetência de seus criadores, produzem o riso).
Isto é Psicose
Psicose continua sendo um dos filmes mais rentáveis da história do cinema. Faturou, na temporada de lançamento, cerca de US$ 40 milhões, 50 vezes o que custou. Aos preços de ingressos atuais, a renda seria de quase US$ 300 milhões (o equivalente a um sucesso atual como Ilha do medo)
A sequência do chuveiro, a mais célebre do filme, dura apenas 45 segundos. Mesmo assim, Hitchcock gastou uma semana para filmá-la, tentando obter o máximo de precisão nos planos que foram rodados com a câmera em 70 ângulos diferentes. Ao todo, são 78 cortes para aquela curta duração.
À época de Psicose, Hitchcock estava mudando de estúdio, da Paramount para a Universal. Contam as lendas de Hollywood que Walt Disney se recusou a dar abrigo a seus projetos por causa do filme: afinal, Psicose é o exato oposto de tudo o que alguém pode associar à produção Disney.
Fonte de inspiração
Impossível pensar a contemporaneidade, também, sem a avalanche de citações e referências que compõem a arte atual. Claro que elas existem há séculos - mas enquanto antes constituíam estratégia localizada dos artistas, nos tempos atuais se tornaram os tijolos fundamentais da criação.
Podemos situar a transição desses dois estados na virada dos anos 1950 para 1960 (a Nouvelle Vague, da mesma época, é ótimo exemplo disso). E Psicose, claro, assume posição privilegiada nele em relação ao cinema. Deu à arte dos filmes a obra-padrão a ser imitada, parodiada, copiada.
É possível que nenhum outro filme do cinema moderno tenha inspirado tantos roteiristas e diretores, numa possibilidade infinita de referências - e não estamos falando aqui das péssimas continuações que o público precisou engolir anos depois da morte de Hitchcock.
Vamos encontrar suas estruturas tanto em filmes sérios (Vestida para matar ou Carrie, a estranha, de Brian de Palma) quanto em paródias ostensivas (Alta ansiedade, de Mel Brooks). Sua linguagem é diluída na maioria das citações (as comédias de terror, por exemplo), mas pode servir de ponto de partida para outras obras igualmente radicais e transgressoras (Veludo azul, de David Lynch). O próprio Hitchcock parece ter apreciado tanto o que fez que nos remete a Psicose em cenas de obras como Cortina rasgada.
Possivelmente, a iniciativa mais ousada neste sentido foi o Psicose que Gus Van Sant. Estreou em 1998. Essencialmente, não se trata de uma adaptação do filme de Hitchcock, mas de um decalque, sua refilmagem plano a plano. É obra conceitual: interessa-nos mais por ter sido feita, por demonstrar ou negar teses sobre cinema, que por si mesma. A escolha de Hitchcock e, especificamente, de Psicose para a experiência foi exemplar.
Alfred Hitchcock acreditava na possibilidade do filme pronto antes mesmo de ser filmado, ou seja, uma obra planejada a tal ponto que cada imagem ou sequência deveria alcançar seu resultado se, e apenas se, fosse realizado integralmente aquele planejamento. Psicose é, possivelmente, sua obra que levou esta ideia a um extremo mais radical.
Ironicamente, as grandes falhas do Psicose de Van Sant são exatamente os momentos em que o autor dentro dele não resiste e incorpora ao filme elementos estranhos ao roteiro representado pelo original de Hitchcock - a cor que dilui a força das cenas violentas e reduz o clima, as interpolações que parecem ralentar o ritmo e inventar psicologismos. Van Sant não fez um filme mais fraco porque imitou Hitchcock, enfraqueceu seu filme exatamente por não ser capaz de imitá-lo totalmente.
Posted by Sandino at 03:09 PM | Comments (0)