« abril 2011 | Main | junho 2011 »
maio 26, 2011
POEMA EM LINHA RETA
(Fernando Pessoa)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado
[sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Posted by Sandino at 11:31 PM | Comments (0)
maio 12, 2011
A Era da Mentira
Zillah Branco*
Original Vermelho
Este título é o do livro publicado recentemente pelo egípcio Elbaradei, conhecido diplomata e consultor jurídico na AIEA – Agência Internacional da Energia Atômica -, organismo das Nações Unidas criado com base no conceito de “´Átomos Pela Paz” sugerido por Eisenhower em 1953 quando disse: “Se existe um perigo no mundo, é um perigo partilhado por todos; e, da mesma forma… se existe esperança na mente de uma nação deveria ser partilhada por todos.”
Em 1970 foi elaborado o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares subscrito por 189 países até 2010 com a triste ausência de Israel, Paquistão e India e da desistência da Coreia do Norte que em 1994 assinou um Quadro Acordado apenas com os Estados Unidos.
Ao contrário dos objetivos com que a Agência foi criada, e do uso da diplomacia nuclear que traduzia um compromisso entre os signatários para promover a cooperação tecnológica para o uso da energia nuclear para fins pacíficos e para evitar o crescimento das armas nucleares, após a queda da URSS, cujo poder equilibrava o dos Estados Unidos, cresceu a instabilidade mundial com a proliferação de novas iniciativas de produção nuclear, a AIEA passou a ser pressionada pelos Estados Unidos a denunciar as emergentes ambições nucleares como motivos para serem desencadeadas invasões militares. Os serviços secretos ocidentais foram infiltrados na UNISCOM, - nova Comissão Especial das Nações Unidas que subsidiava diretamente o Conselho de Segurança - e na própria AIEA com a entrada de novos técnicos, o que propiciou o surgimento de falsas informações sobre a preparação de armas biológicas no Iraque logo utilizadas pelos Governos dos Estados Unidos e do Reino Unido como pretexto para desencadear a Guerra do Golfo.
Elbaradei revela grande preocupação em respeitar a cultura e as religiões do povo iraquiano e critica duramente o comportamento tipo cowboy adotado por técnicos norte-americanos das Agências. O mesmo não ocorre ao analisar o trabalho feito pela AEIA na Coreia do Norte em 1992, referindo com sobranceria a falta de conforto em aviões, carros e hotéis, visivelmente pobres e o poder do “Grande Lider” presente em todas os encontros oficiais. Mas em ambos os casos, mostra com riqueza de referências factuais a manipulação imposta pelo governo norte-americano sobre os trabalhos técnicos das agências, inclusive citando frases de Condoleezza Rice que declarou: “a Carta da ONU é baseada no papel primordial e na responsabilidade dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança. Como sabe, a segurança dos Estados Unidos está ameaçada e, portanto, somos livres de tomar quaisquer medidas que consideremos necessárias para proteger a nossa segurança”. Baradei comenta: “Dei por mim grato por ela ter parado antes de dizer que a ONU é o Conselho de Segurança, e o Conselho de Segurança são os Estados Unidos”. A referência que faz ao Vice-Presidente Dick Chenney é breve e conclusiva: “Ele estava sentado atrás da sua secretária, e não perdeu tempo com conversa de circunstância. Tinha uma mensagem direta e simples para transmitir: “Os Estados Unidos estão preparados para trabalhar com os inspetores das Nações Unidas, mas também estão prontos para desacreditar os inspetores, com vista a desarmar o Iraque”.
É difícil para um cidadão comum imaginar a prepotência e a falta de respeito que um técnico do mais elevado nível internacional, se vê obrigado a suportar de políticos grosseiros que falam em nome do imperialismo. O nome e prestígio institucional parecem contar mais que a dignidade humana que é o grande valor de quem não tem riquezas materiais. E esta é a distância que separa os povos em luta pela afirmação nacional e os direitos democráticos dos poderosos imperiais. Talvez Baradei tenha chegado a esta conclusão ao juntar-se ao seu povo, no Egito, no início de 2011 para derrubar o regime autoritário de Mubarak.
É interessante notar que “a era da mentira%
Posted by Sandino at 04:21 PM | Comments (0)